Terreno de antiga fábrica de baterias vira garimpo de chumbo no interior de SP

Terreno de antiga fábrica de baterias vira garimpo de chumbo no interior de SP
Moradores da região de Sorocaba cavam área para encontrar metais tóxicos que são vendidos a ferros-velhos. Empresa de baterias funcionou na cidade por 39 anos e fechou em 2011.

O terreno de uma antiga fábrica de baterias automotivas em Sorocaba (SP) se tornou um garimpo de chumbo a céu aberto. Em busca de dinheiro "fácil", moradores da região se arriscam e cavam na terra contaminada por produtos químicos para vender os metais para ferros-velhos da cidade.

A área onde estão os restos de baterias e lixo tóxico fica no bairro Iporanga, escondida por um matagal, e tem livre acesso. Há alguns meses moradores descobriram que as placas de chumbo enterradas no terreno poderiam ser vendidas.

Com câmeras escondidas, os produtores flagraram dezenas de pessoas escavando o terreno. Do alto é possível ter uma ideia do tamanho da área que já foi revirada por pás, enxadas e até máquinas.

Sem saber que estava sendo filmado, um homem, que teve a identidade preservada, explicou como funciona o esquema de extração no terreno. “Você bate o martelo e se ela [pedra] não quebrar, é pura. É R$ 4 o quilo. Você só não pode chegar perto de lá, porque tem uma fumaça saindo ali embaixo da terra. Tem lugar que você vai e arde o olho”, diz.

Metais tóxicos

A reportagem recolheu algumas pedras que foram submetidas a análise laboratorial. Segundo o toxicologista da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Barbosa Júnior, cinco tipos de metais prejudiciais à saúde foram identificados.

“As amostras apresentaram valores extremamente elevados de chumbo. Um milhão de vezes superiores àquelas que nós esperaríamos. Além do chumbo, foram encontrados alumínio, cádmio, cromo e arsênio."

O especialista explica que esses metais pesados entram no organismo pelo nariz e pela boca na poeira levantada no garimpo. Com o tempo, podem surgir doenças cardiovasculares, hepáticas e do sistema nervoso.

O cromo, o arsênio e o cádmio se acumulam nos rins e em doses altas podem levar à falência desses órgãos. O cromo e o arsênio também podem causar câncer.E a contaminação por alumínio faz tão mal para o cérebro que cientistas estudam hoje se ele pode estar ligado ao alzheimer.

'Herança' da falência

O terreno onde ocorre o garimpo pertencia a uma das maiores fábricas de baterias industriais e de automóveis do país: a Saturnia. O chumbo é um dos principais componentes da fabricação. Quando uma bateria acaba, ela volta para a indústria para ser reciclada. No entanto, o que deveria ser um processo de reciclagem, se transformou em um grave crime ambiental.

Um ex-funcionário, que não terá a identidade revelada, contou como era o esquema: “A bateria chegava, eles despejavam no pátio e lá abriam no machado para escorrer todo o ácido que tem na bateria. O ácido ia para o chão mesmo. Depois, catavam as placas da bateria e jogavam em uma caçamba e despejava no forno.” Em seguida, o material era derretido e o chumbo separado. A sobra, que é chamada de “escória”, era enterrada atrás do barracão. “A máquina aterrava, depois cobria e abria outro buraco de novo. Dia e noite", afirma o ex-funcionário.

A engenheira química Fabíola Ribeiro afirma que este tipo de descarte é totalmente irregular. “Eles precisam ser encaminhados para o que a gente chama de uma disposição final adequada, a exemplo de um aterro de resíduos perigosos, e nunca diretamente no solo sem nenhum tipo de prevenção e controle da poluição”, explica.

A Saturnia funcionou por 39 anos e fechou em 2011. Em 2016, a fábrica decretou falência. Desde então, tudo ficou abandonado. O advogado responsável pela empresa foi procurado pela reportagem, mas não atendeu às ligações.

Em dezembro de 2017, a Cetesb fez um laudo e identificou a contaminação por chumbo de todo o solo da fábrica, mas nada foi feito.

A informação sobre a então possível contaminação do solo chegou a ser tema de apuração da comissão de Meio Ambiente da Câmara de Sorocaba.

Após a denúncia ser levada ao Ministério Público e Companhia Ambiental do Estado (Cetesb), em maio deste ano, a Justiça determinou que a empresa estadual retirasse o material químico do terreno. Entretanto, a Cetesb informou, na época, que não tinha funcionários e nem local para armazenar os produtos.

O garimpo

Há cerca de quatro meses, a informação de que o quintal da Saturnia tinha metais enterrados começou a circular e deu iniciou à exploração.

Quando a equipe de reportagem esteve no terreno pela última vez, na sexta-feira (17), cerca de 20 pessoas trabalhavam com enxadas, picaretas ou diretamente com as mãos, sem qualquer tipo de proteção. Até um menino, de 13 anos, estava cavando a terra.

A senhora Zilda Marcelino de Sousa, de 63 anos, disse que está desempregada e paga as contas com o que ganha no garimpo. “A gente está devendo bastante de água e luz, não tem condição de pagar nem isso.”

Enquanto a reportagem conversava com os "garimpeiros", 30 minutos após chegar no local, uma equipe da Cetesb e guardas municipais apareceram no local. O gerente Ézio Mmantegazza, do órgão estadual, alegou que receberam a informação no dia e fizeram a vistoria.

Ele afirmou que o órgão é fiscalizador e licenciador do Estado e não tem cunho executivo. Com isso, a Cetesb vai entrar na Justiça para pedir a limpeza da área para o responsável pela empresa depois da falência.

O promotor do meio ambiente de Sorocaba, Jorge Marum, conhece a Saturnia desde os anos 90, quando recebeu uma denúncia de contaminação dos funcionários da empresa.

“A informação que eu tinha era que a fábrica estava desativada, que havia material poluente lá, mas só ultimamente é que as pessoas começaram a entrar no local e a retirar coisas de lá. Eu acredito que o poder público municipal teria o dever de proteger a área enquanto não for possível que a própria empresa falida faça isso.”



Fonte: G1
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